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[*]
Um "Camisa Branca"
O “Duce" Mussolini é um louco...
afirma-o ao “SOL" um italiano culto que ama sinceramente a ItaliaA vinda do coronel Gray, delegado fascista, a Portugal, e os reparos, de varia ordem, que essa vinda levantou, levaram-nos a investigar se haveria em Lisboa, entre a parte extra-oficial (chamemos-lhe assim) da colonia italiana, algum representante dos principios contrarios com autoridade moral, e, sobretudo, relevo intelectual, para nos dizer sobre o fascismo duas palavras dignas de imprimir.
Aquele caso propicio que está sempre, devemos crê-lo, á espreita das pessoas bem intencionadas, trouxe inesperadamente ao nosso conhecimento a existencia insuspeita, nesta capital atlantica, de uma das maiores figuras da Italia, e um dos inimigos de mais estatura das teorias e da pratica (as teorias são varias e a pratica uma) do regime do Fascio, o sr. Giovanni B. Angioletti, o bem conhecido colaborador do «Mercure de France» e ha anos habita entre nós.
Conseguimos que nos levassem á sua presença, e pudemos trocar com ele as palavras precisas para reconhecer, primeiro, que estavamos diante de uma das inteligencias mais lucidas e mais precisas que nos tem sido dado encontrar; segundo, que era esse, em verdade, o homem que procuravamos.
Mal fizemos a pergunta. Não poderemos dizer ao certo se chegámos a pronunciar o nome do coronel Gray. A resposta surgiu, mais em relação com o muito que pensavamos que com o pouco que chegámos a dizer.
Os italianos não são ridiculos...
Nós, os italianos, temos — permita-me que o diga — grandes qualidades, mas o sentimento do ridiculo não se inclue entre elas, nem nenhum dos numerosos amigos, que a Italia tem sempre tido no estrangeiro, alguma vez nos atribuiu um humorismo de inglez ou uma graça de francez. Isto lhe explica, sem mais nada, missões como esta, que o paranoico genial que hoje impera, atravez de escravos audaciosos, na minha pobre Patria, arremessa, para uso de caricaturistas sem assunto, sobre um mundo que, devo dizer-lhe, o admira por o que conhece dele, e porque não o conhece a ele, nem á Italia.
—V. Ex.ᵃ disse «o paranoico genial»?
—Sim — genial como paranoico. Isso não exclue que se lhe possa chamar um grande homem. A toda a gente que destaca do rebanho humano se pode chamar grande, porisso mesmo que se destacou... Mussolini é um louco — desafio qualquer psiquiatra a negá-lo — mas a loucura, como muita gente não sabe, é contagiosa em muitas das suas formas, e é-o precisamente naquelas formas de mais perigo pode haver em se contagiar. O fascismo é um caso como o da loucura dansante da Idade Media, que atacou colectividades. No meu livro... — aqui o nosso entrevistado equilibrou, rápida, uma hesitação, e, ocultando o titulo da sua obra, reatou: — no meu proximo livro, eu explicarei...
E aqui pairou outra vez um pequeno silencio...
O peior mal do fascismo
O anti-fascista continuou, respondendo, com uma intuição quasi de bruxedo, a qualquer coisa que não havíamos perguntado:
—Tem-se dito muito contra o fascismo. Mas o que se tem dito contra o fascismo é o que de menos importante se pode dizer contra ele. Violencias? É o que ha de menos importancia real no fascismo. Todos os partidos esforçadamente politicos as exercem desde que as circunstancias sociais lhes garantam a facilidade de as exercer e a impunidade depois de as ter exercido. Não: as violencias do fascismo não teem importancia verdadeira. Iguais violencias, ou quasi iguais, practicaram os seus adversarios; iguais violencias, se não maiores, practicariam amanhã, se o Destino os bafejasse com a ilusão chamada poder. O que ha de verdadeiramente grave no fascismo não está nas suas violencias...
—Compreendo. Está nas suas doutrinas?...
—Não, não está nas suas doutrinas. Está, essencialmente, na sua exaltação da Italia.
—?
—Não me compreendeu? Eu não esperava que me compreendesse... Eu lhe explico, sem lhe tomar muito tempo; e, se quere saber o pior contra o regime fascista, vai agora ouvir o pior.
«Da Renascença para cá o conceito das funções externas do Estado evoluiu, e essa evolução é o fenomeno mais caracteristicamente determinante da evolução geral da humanidade. A Renascença, ao mesmo tempo que fechou a Idade Media, sintetisou a sua experiencia: e o nosso sublime Dante é o exemplo disso em carne, osso e alma... Ora na Renascença, como na Idade Media, o conceito do Estado, barbaro e primitivo, era de que o Estado, ou a Nação, existia simplesmente para criar e manter a sua propria grandeza. O progresso humano — pensa-se o que se quizer dele — destruiu este preconceito provinciano. Chegámos hoje a um novo conceito do Estado. Nenhuma nação tem direito a existir se não contribui qualquer coisa para o progresso geral da humanidade, se não é um Imperio no sentido mais alto do termo — um foco de expansão de ideias e de melhorias que beneficiem todo o mundo. É este o destino que a Renascença talhou para a Italia — a Italia martir, dividida, mas grande. A Italia unificada tem falhado a esta missão. Podemos até pensar que a unificação foi um erro... Que tem a Italia unificada dado ao mundo? Nada. O que deu ao mundo a Italia dividida? Tudo. Ora o mal do fascismo é que é a ultima consequencia da Italia unificada. Mussolini é, como todos os loucos, um primitivo cerebral. Reverte, por instinto nervoso, aos conceitos já extintos na humanidade civilisada. Não consegue elevar-se acima do ideal morto da «grandeza nacional». A Italia para ele é tudo, mas como Italia só, e não como mestra e aperfeiçoadora do mundo. Mussolini traiu a Italia, e com isso traiu a civilisação, porque a Italia e a civilisação são sinónimos...
… O mundo é dirigido por forças especiaes...
Qualquer coisa no tom do nosso entrevistado — uma hesitação subtil, uma vaga indecisão — prende-nos de repente. E de repente perguntámos:
[*]—Mas Mussolini será tão louco como isso? Mussolini fará isso tudo por engano, inconscientemente?
Pela face do anti-fascista passa qualquer coisa que foi quasi um sorriso. Passa... e fica uma expressão que é mais de preocupação que de tristeza. Ergue um pouco a cabeça, que descaira, e diz:
—O mundo é dirigido por forças especiais— muito especiais mesmo — de que o fascismo é apenas uma manifestação particular. Entre o que se passa hoje na China e o que se passa hoje na Italia ha uma relação intima, que, no fundo, e nos elementos verdadeiramente dirigentes — não me refiro agora ao pobre Duce — é perfeitamente consciente. Peço a sua atenção para o que lhe estou dizendo, e a sua recordação, de aqui a dez anos, de que hoje lho disse... V. é novo; não poderá deixar de ser vivo nessa altura.
—Não percebo…
O anti-fascista abriu uma gaveta, tirou de lá uma pasta, e, de entre os papeis que nela estavam, escolheu um recorte de jornal. Logo á primeira vista nos pareceu que era um jornal português. Á segunda vista vimos que efetivamente era. O recorte era de A Informação, jornal do sr. Homem Cristo Filho, da secção intitulada Ecos, e é, textualmente, assim:
O grande livro de Mussolini
A «Entente Internationale contre la 3.eme Internationale», prestimosa organização anti-bolchevista, expediu agora, do seu Secretariado Espanhol — Calle de Gaztambyde, 20, Madrid — a curiosissima nota de que damos em seguida uma tradução rigorosamente literal:
«Está despertando uma grande curiosidade, na intimidade dos circulos diplomaticos europeus o livro que, a par das suas memorias, se diz estar escrevendo o sr. Benito Mussolini, primeiro ministro da Italia, como uma nova especie de «Monita Secreta» para os sub-chefes do movimento fascista. Intitula-se esse livro, segundo as melhores informações, «O Futuro da Anarquia, e destina-se, ao que por elas consta, a provar que o Grande Ditador italiano não pretende, no fundo, senão criar uma sociedade nova em moldes que diferem dos sovieticos apenas em dois pontos: 1º, aquilo a que ele chama a «temporalidade do principio autoritario», que consiste em criar autoridade em qualquer coisa ficticia, para assim destacar a autoridade do organismo social; e 2º, o que ele designa «a dissociação do elemento coercitivo», isto é, a criação duma «força publica» distinta do exercito e da armada, de modo a estabelecer, segundo as palavras textuais, «uma dualidade na essencia coerciva do Estado». Estes espantosos e novissimos princípios, que, mesmo enunciados assim em resumo, mostram a altura e a originalidade do altissimo espirito do «Duce», são, ao que parece, os que têm norteado seguramente a notabilissima politica do maior chefe do nosso tempo. Pregunta-se apenas se não seria mais conveniente, e mais util para todos, que o sr. Mussolini, em vez de conservar quasi secretos estes principios, os publicasse francamente, abrindo assim uma nova era na politica europeia, já tão cansada de formulas e de falsas interpretações.»
Uma noticia que não foi desmentida...
—Mas, perguntámos nós, o que quere isto dizer? Esta noticia foi desmentida?
O anti-fascista encolheu os hombros
—Não foi, nem poderia ser, desmentida. E não foi desmentida precisamente porque o não poderia ser...
—Mas V. Ex.ᵃ diz que Mussolini…
—Faça de conta que eu não disse nada... Ou, melhor, faça de conta que lhe disse apenas aquilo que lhe vou repetir: o mundo é dirigido por forças especiais, de que o fascismo é apenas uma manifestação particular.
—E a Italia?
—A Italia é eterna. É a mãe sublime das artes e a fecundadora das sciencias. O seu esforço arrancou a Europa da baixeza de si mesma e ungiu-se com o oleo sacro que dá o conhecimento da beleza e a luxuria da compreensão. A Italia está acima dos Cesares que saem das alfurjas, dos Gracos de pifaro e tambor... A Italia foi grande, e a Italia tornará a ser grande... Deixe acabar o intervalo...
Texto atribuído a Pessoa por José Barreto (Barreto, 2012, pp. 225-252), com base na lista de projetos BNP 189, que por sua vez é material preparatório da ʺTábua Bibliográficaʺ, publicada na revista Presença em Dezembro de 1928. -
[*]
Um "Camisa Branca"
O “Duce" Mussolini é um louco...
afirma-o ao “SOL" um italiano culto que ama sinceramente a ItáliaA vinda do coronel Gray, delegado fascista, a Portugal, e os reparos, de vária ordem, que essa vinda levantou, levaram-nos a investigar se haveria em Lisboa, entre a parte extraoficial (chamemos-lhe assim) da colónia italiana, algum representante dos princípios contrários com autoridade moral, e, sobretudo, relevo intelectual, para nos dizer sobre o fascismo duas palavras dignas de imprimir.
Aquele caso propício que está sempre, devemos crê-lo, à espreita das pessoas bem intencionadas, trouxe inesperadamente ao nosso conhecimento a existência insuspeita, nesta capital atlântica, de uma das maiores figuras da Itália, e um dos inimigos de mais estatura das teorias e da prática (as teorias são várias e a prática uma) do regime do Fáscio, o sr. Giovanni B. Angioletti, o bem conhecido colaborador do «Mercure de France» e há anos habita entre nós.
Conseguimos que nos levassem à sua presença, e pudemos trocar com ele as palavras precisas para reconhecer, primeiro, que estávamos diante de uma das inteligências mais lúcidas e mais precisas que nos tem sido dado encontrar; segundo, que era esse, em verdade, o homem que procurávamos.
Mal fizemos a pergunta. Não poderemos dizer ao certo se chegámos a pronunciar o nome do coronel Gray. A resposta surgiu, mais em relação com o muito que pensávamos que com o pouco que chegámos a dizer.
Os italianos não são ridículos...
Nós, os italianos, temos — permita-me que o diga — grandes qualidades, mas o sentimento do ridículo não se inclui entre elas, nem nenhum dos numerosos amigos, que a Itália tem sempre tido no estrangeiro, alguma vez nos atribuiu um humorismo de inglês ou uma graça de francês. Isto lhe explica, sem mais nada, missões como esta, que o paranoico genial que hoje impera, através de escravos audaciosos, na minha pobre Pátria, arremessa, para uso de caricaturistas sem assunto, sobre um mundo que, devo dizer-lhe, o admira por o que conhece dele, e porque não o conhece a ele, nem à Itália.
— V. Ex.ᵃ disse «o paranoico genial»?
— Sim — genial como paranoico. Isso não exclui que se lhe possa chamar um grande homem. A toda a gente que destaca do rebanho humano se pode chamar grande, por isso mesmo que se destacou... Mussolini é um louco — desafio qualquer psiquiatra a negá-lo — mas a loucura, como muita gente não sabe, é contagiosa em muitas das suas formas, e é-o precisamente naquelas formas de mais perigo pode haver em se contagiar. O fascismo é um caso como o da loucura dançante da Idade Media, que atacou coletividades. No meu livro... — aqui o nosso entrevistado equilibrou, rápida, uma hesitação, e, ocultando o título da sua obra, reatou: — no meu próximo livro, eu explicarei...
E aqui pairou outra vez um pequeno silêncio...
O pior mal do fascismo
O antifascista continuou, respondendo, com uma intuição quase de bruxedo, a qualquer coisa que não havíamos perguntado:
— Tem-se dito muito contra o fascismo. Mas o que se tem dito contra o fascismo é o que de menos importante se pode dizer contra ele. Violências? É o que há de menos importância real no fascismo. Todos os partidos esforçadamente políticos as exercem desde que as circunstâncias sociais lhes garantam a facilidade de as exercer e a impunidade depois de as ter exercido. Não: as violências do fascismo não têm importância verdadeira. Iguais violências, ou quasi iguais, praticaram os seus adversarios; iguais violências, se não maiores, praticariam amanhã, se o Destino os bafejasse com a ilusão chamada poder.. O que há de verdadeiramente grave no fascismo não está nas suas violências...
— Compreendo. Está nas suas doutrinas?...
— Não, não está nas suas doutrinas. Está, essencialmente, na sua exaltação da Itália.
— ?
— Não me compreendeu? Eu não esperava que me compreendesse... Eu lhe explico, sem lhe tomar muito tempo; e, se quer saber o pior contra o regime fascista, vai agora ouvir o pior.
«Da Renascença para cá o conceito das funções externas do Estado evoluiu, e essa evolução é o fenómeno mais caracteristicamente determinante da evolução geral da humanidade. A Renascença, ao mesmo tempo que fechou a Idade Média, sintetizou a sua experiência: e o nosso sublime Dante é o exemplo disso em carne, osso e alma... Ora na Renascença, como na Idade Média, o conceito do Estado, bárbaro e primitivo, era de que o Estado, ou a Nação, existia simplesmente para criar e manter a sua própria grandeza. O progresso humano — pensa-se o que se quiser dele — destruiu este preconceito provinciano. Chegámos hoje a um novo conceito do Estado. Nenhuma nação tem direito a existir se não contribui qualquer coisa para o progresso geral da humanidade, se não é um Império no sentido mais alto do termo — um foco de expansão de ideias e de melhorias que beneficiem todo o mundo. É este o destino que a Renascença talhou para a Itália — a Itália mártir, dividida, mas grande. A Itália unificada tem falhado a esta missão. Podemos até pensar que a unificação foi um erro... Que tem a Itália unificada dado ao mundo? Nada. O que deu ao mundo a Itália dividida? Tudo. Ora o mal do fascismo é que é a última consequência da Itália unificada. Mussolini é, como todos os loucos, um primitivo cerebral. Reverte, por instinto nervoso, aos conceitos já extintos na humanidade civilizada. Não consegue elevar-se acima do ideal morto da «grandeza nacional». A Itália para ele é tudo, mas como Itália só, e não como mestra e aperfeiçoadora do mundo. Mussolini traiu a Itália, e com isso traiu a civilização, porque a Itália e a civilização são sinónimos...
… O mundo é dirigido por forças especiais...
Qualquer coisa no tom do nosso entrevistado — uma hesitação subtil, uma vaga indecisão — prende-nos de repente. E de repente perguntámos:
[*]— Mas Mussolini será tão louco como isso? Mussolini fará isso tudo por engano, inconscientemente?
Pela face do antifascista passa qualquer coisa que foi quase um sorriso. Passa... e fica uma expressão que é mais de preocupação que de tristeza. Ergue um pouco a cabeça, que descaíra, e diz:
— O mundo é dirigido por forças especiais — muito especiais mesmo — de que o fascismo é apenas uma manifestação particular. Entre o que se passa hoje na China e o que se passa hoje na Itália há uma relação íntima, que, no fundo, e nos elementos verdadeiramente dirigentes — não me refiro agora ao pobre Duce — é perfeitamente consciente. Peço a sua atenção para o que lhe estou dizendo, e a sua recordação, de aqui a dez anos, de que hoje lho disse... V. é novo; não poderá deixar de ser vivo nessa altura.
— Não percebo…
O antifascista abriu uma gaveta, tirou de lá uma pasta, e, de entre os papéis que nela estavam, escolheu um recorte de jornal. Logo à primeira vista nos pareceu que era um jornal português. À segunda vista vimos que efetivamente era. O recorte era de A Informação, jornal do sr. Homem Cristo Filho, da secção intitulada Ecos, e é, textualmente, assim:
O grande livro de Mussolini
A «Entente Internationale contre la 3.eme Internationale», prestimosa organização antibolchevista, expediu agora, do seu Secretariado Espanhol — Calle de Gaztambyde, 20, Madrid — a curiosíssima nota de que damos em seguida uma tradução rigorosamente literal:
«Está despertando uma grande curiosidade, na intimidade dos círculos diplomáticos europeus o livro que, a par das suas memórias, se diz estar escrevendo o sr. Benito Mussolini, primeiro-ministro da Itália, como uma nova espécie de «Monita Secreta» para os subchefes do movimento fascista. Intitula-se esse livro, segundo as melhores informações, «O Futuro da Anarquia, e destina-se, ao que por elas consta, a provar que o Grande Ditador italiano não pretende, no fundo, senão criar uma sociedade nova em moldes que diferem dos soviéticos apenas em dois pontos: 1º, aquilo a que ele chama a «temporalidade do princípio autoritário», que consiste em criar autoridade em qualquer coisa fictícia, para assim destacar a autoridade do organismo social; e 2º, o que ele designa «a dissociação do elemento coercitivo», isto é, a criação duma «força pública» distinta do exército e da armada, de modo a estabelecer, segundo as palavras textuais, «uma dualidade na essência coerciva do Estado». Estes espantosos e novíssimos princípios, que, mesmo enunciados assim em resumo, mostram a altura e a originalidade do altíssimo espírito do «Duce», são, ao que parece, os que têm norteado seguramente a notabilíssima política do maior chefe do nosso tempo. Pergunta-se apenas se não seria mais conveniente, e mais útil para todos, que o sr. Mussolini, em vez de conservar quase secretos estes princípios, os publicasse francamente, abrindo assim uma nova era na política europeia, já tão cansada de fórmulas e de falsas interpretações.»
Uma notícia que não foi desmentida...
— Mas, perguntámos nós, o que quer isto dizer? Esta notícia foi desmentida?
O antifascista encolheu os ombros
— Não foi, nem poderia ser, desmentida. E não foi desmentida precisamente porque o não poderia ser...
— Mas V. Ex.ᵃ diz que Mussolini…
— Faça de conta que eu não disse nada... Ou, melhor, faça de conta que lhe disse apenas aquilo que lhe vou repetir: o mundo é dirigido por forças especiais, de que o fascismo é apenas uma manifestação particular.
— E a Itália?
— A Itália é eterna. É a mãe sublime das artes e a fecundadora das ciências. O seu esforço arrancou a Europa da baixeza de si mesma e ungiu-se com o óleo sacro que dá o conhecimento da beleza e a luxúria da compreensão. A Itália está acima dos Césares que saem das alfurjas, dos Gracos de pífaro e tambor... A Itália foi grande, e a Itália tornará a ser grande... Deixe acabar o intervalo...
Texto atribuído a Pessoa por José Barreto (Barreto, 2012, pp. 225-252), com base na lista de projetos BNP 189, que por sua vez é material preparatório da ʺTábua Bibliográficaʺ, publicada na revista Presença em Dezembro de 1928.
Um ʺCamisa Brancaʺ
Fernando Pessoa
Sol , 20 de novembro de 1926, pp. 1-2.