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O RENASCER DE UM SIMBOLO:
Al-Motamide, o iniciadorSILVES vae, dentro de breves dias, prestar homenagem ao seu «wal», o poeta extraordinario que foi o moiro Al-Motamide! E essa homenagem, gravada com versos seus em pedra simples, é como o signal de um renascimento que se opera embora veladamente — num sentido de dar ligação aos sonhos do ultimo rei de Sevilha, o amante da peregrina Silves, a Chelb das muralhas firmes e dos hortos sempre em verdejante luz.
A figura do poeta aparece-nos entre sonhos de beleza e intuições extraordinárias. Ha, em volta da sua obra, um nimbo de visão que, através [de] um lucido lirismo, dá, nos nossos dias, uma directriz animica à sonolencia fatal dos nossos tempos.
Al-Motamide pressente qualquer coisa que hoje já se desenha e que está escripto — para quem o souber lêr — nas quadras de Bandarra.
Mas, afora este nosso conceito, só como poeta ele vale a homenagem.
E Silves, assim, fazendo-a, pagará uma divida. E quem paga o que deve a mais não é obrigado.
O resto fica com os Deuses: Quando fôr a Hora, ha de soar a Hora. Entretanto vivamos todos os signaes que ante os olhos vão surgindo, desde os minimos — os que mesmo se não notam ou não são notados por todos — aos maiores, mais nitidos e mais amplos.
Que a memoria de Al-Motamide fique gravada não só nas letras da lápide mas tambem nos ventos que a levem pelo Atlantico, em aroma, mares alem. E que nós, os portuguêses, vivamos essa memoria, tambem, como um signal da Hora que os Deuses guardam para gloria dos Poetas, dos Santos e dos Herois.
A. F. G.
Trata-se de um texto publicado com a assinatura «A. F. G.», isto é, Augusto Ferreira Gomes. O texto foi recuperado em Sebastianismo e Quinto Império (Pessoa, 2011 p. 295-296), e a participação de Pessoa é conjeturada com base na leitura em conjunto com ʺAs causas longínquas da homenagem a Al-Mu'tamideʺ. -
O RENASCER DE UM SÍMBOLO:
Al-Mu'tamide, o iniciadorSILVES vai, dentro de breves dias, prestar homenagem ao seu «wal», o poeta extraordinário que foi o moiro Al-Mu'tamide! E essa homenagem, gravada com versos seus em pedra simples, é como o sinal de um renascimento que se opera embora veladamente — num sentido de dar ligação aos sonhos do último rei de Sevilha, o amante da peregrina Silves, a Chelb das muralhas firmes e dos hortos sempre em verdejante luz.
A figura do poeta aparece-nos entre sonhos de beleza e intuições extraordinárias. Há, em volta da sua obra, um nimbo de visão que, através [de] um lúcido lirismo, dá, nos nossos dias, uma diretriz anímica à sonolência fatal dos nossos tempos.
Al-Mu'tamide pressente qualquer coisa que hoje já se desenha e que está escrito — para quem o souber ler — nas quadras de Bandarra.
Mas, afora este nosso conceito, só como poeta ele vale a homenagem.
E Silves, assim, fazendo-a, pagará uma dívida. E quem paga o que deve a mais não é obrigado.
O resto fica com os Deuses: Quando for a Hora, há de soar a Hora. Entretanto vivamos todos os sinais que ante os olhos vão surgindo, desde os mínimos — os que mesmo se não notam ou não são notados por todos — aos maiores, mais nítidos e mais amplos.
Que a memória de Al-Mu'tamide fique gravada não só nas letras da lápide mas também nos ventos que a levem pelo Atlântico, em aroma, mares além. E que nós, os portugueses, vivamos essa memória, também, como um sinal da Hora que os Deuses guardam para glória dos Poetas, dos Santos e dos Heróis.
A. F. G. A[ugusto] F[erreira] G[omes]
Trata-se de um texto publicado com a assinatura «A. F. G.», isto é, Augusto Ferreira Gomes. O texto foi recuperado em Sebastianismo e Quinto Império (Pessoa, 2011 p. 295-296), e a participação de Pessoa é conjeturada com base na leitura em conjunto com ʺAs causas longínquas da homenagem a Al-Mu'tamideʺ.
O renascer de um símbolo: Al-Mu'tamide, o iniciador
Fernando Pessoa, Augusto Ferreira Gomes
O ʺNotíciasʺ Ilustrado , 15 de julho de 1928, p. 22.