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O mistério da Boca do Inferno

Fernando Pessoa

O ʺNotíciasʺ Ilustrado , 5 de outubro de 1930.

  • [9]

    O MISTERIO DA BOCA DO INFERNO

    O nosso jornal trata a seguir dum caso em extremo curioso, que o nosso presado colega «Diario de Noticias» relatou um destes dias. Trata-se do aparecimento duma carta e duma cigarreira, deixado por um célebre escritor inglês, mixto de aventureiro e de artista que esteve há semanas entre nós, e cujo desaparecimento não está absolutamente esclarecido. Evidentemente nada sabemos ao certo sôbre o assunto. Mas, como tivesse sido um redactor dêste jornal a pessoa que achou os misteriosos objectos, a êle recorremos para que, com a verdade a que a sua profissão obriga, e com o escrúpulo que o assunto requere, relate aos nossos leitores o que pessoalmente sabe dos factos em questão. Tem pois a palavra o jornalista Ferreira Gomes:

    Á LAIA DE PROLOGO — QUEM É ALEISTER CROWLEY — NOTAS BIOGRAFICAS — O ACHADO — O QUE DISSE O PORTEIRO DO HOTEL DE L’EUROPE — A DECLARAÇÃO DA PARTIDA PARA CINTRA NO DIA 23.

    QUANDO, em Portugal, se pratica qualquer crime que a Polícia, apesar dos seus enormes esforços, não consegue descobrir, a aplicação popular do nenhum resultado das investigações, é que se tratou de qualquer crime político, envolto nebulosamente pela impenetrabilidade das associações secretas...

    Quando em Lisboa se dá qualquer acontecimento misterioso — afóra do chá morno do normal provinciano — a desculpa para os que não sabem raciocinar, é que o sucesso não passou de «blague» ou de «reclame», à americana...

    Ora isto é simplesmente cómodo. No primeiro caso exposto, ninguem fala na energia que a polícia gasta, nas vigilias e canceiras, no trabalho, enfim, que a mesma tem e do desgosto que háde sentir quando não pode descobrir os criminosos.

    No segundo caso tambem ninguem concebe o misterioso, sem uma finalidade íntima de negociata ou de «réclame». O facto é que existem casos — não só em Portugal mas em todo o mundo — que para sempre ficam envoltos na sombra, crimes que jámais são punidos, e acontecimentos misteriosos para os quais, tambem nunca há explicação.

    E, posto isto, vamos aos factos:

     

    Na tarde do dia 25 do corrente — já o «Diário de Notícias» desenvolvidamente narrou em primeira mão — encontrei, na «Boca do Inferno», junto à abertura conhecida pelo nome de «Mata Cães», uma carta sobre a qual pesava uma cigarreira.

    (Pelas gravuras que acompanham êste artigo poderão os leitores verificar a existência dêstes objectos. No decorrer da narrativa se encontrará a tradução da carta).

    O achado era estranho mas não lhe dei uma importância de maior.

    Como sei pouco inglês — a carta além dos sinais enigmáticos estava escrita nessa lingua — só me chamou a atenção a frase «Boca do Infierno» (sic), na mesma intercalada no resto do texto. Em Cascaes, durante o jantar, examinei melhor a carta. Como acima disse tenho poucos conhecimentos de inglês, mas, dada a minha curiosidade consegui, não sem esfôrço de atenção, perceber a primeira frase: «Não posso viver sem ti». Ora, ligando essa frase ao local onde encontrara a carta, local atrás citado na mesma, fui obrigado — e qualquer pessoa o seria — a dar, mais atenção ao assunto.

    Tinha dois pontos de referência. O papel do hotel e o nome da destinatária. Optei pelo primeiro por ser o imediatamente acessivel. E foi assim que o porteiro do Hotel de L’Europe me disse ter lá estado hospedada Miss Anni L. Jaeger, mas que dias antes — a 19 — se havia retirado.

    Disse eu então, que tinha encontrado um objecto de sua pertença, ao que o porteiro me retorquiu:

    — Quem o poderá informar do paradeiro dessa senhora é um hóspede que a acompanhava quando veio para Lisboa e que, presentemente se encontra em Cintra, no Hotel Central...

    — O seu nome? — perguntei.

    Analisando o livro dos hóspedes, soube que a pessoa em questão se chamava Edward A. Crowley.

    Ora êste nome lembrou-me imediatamente o de Aleister Crowley, o célebre escritor tão atacado em Inglaterra pelo exotismo dos seus livros e pelas suas multiplas habilidades. Para elucidação dos leitores a seguir a sua biografia:

     

    Edward Alexander Crowley — literariamente Aleister Crowley — nasceu em Leamigton Inglaterra, em 12 de Outubro de 1875. Frequentou Cambridge donde saiu antes de se formar. Fez, na América, durante a grande guerra, a contra espionagem a favor da Inglaterra e de tal maneira se houve que conseguiu escangalhar todos os manejos germanicos.

    James Douglas, no «Daily Express» chamou-lhe «um monstro de perversidade». Horatio Bottomley, no «John Bull». Chamou-lhe «um vil degenerado».Os sucessores de Bottomley («John Bull», Maio de 1929) chamaram-lhe o «peor homem da Inglaterra». Crowley chama-se a si próprio Mestre Therion e intitula as suas «Confissões» uma autohagiografía — ou seja — a auto-biografia de um santo.

    Os factos àcerca de Aleister Crowley, à parte os ataques jornalísticos, nunca foram bem conhecidos. É um erudito e um «gentleman», poeta, místico, caçador de féras, prático de rituaes mágicos, químico, e jogador de xadrez. Alpinista, já subiu aos Alpes, aos Himalaias e aos vulcões do México — coisas que não são bem características de um degenerado. Atravessou, a pé, o Sahará, a Espanha e a China. Viveu como «Yogi» numa aldeia da India, como castelão na Escócia, como boémio em Londres, Paris e New-York. Visitou Moscow e fundou em Italia, na Vila Santa Bárbara, — Cefalú, Sicilia — uma Fraternidade Mísitca.

    A sua produção literária é enorme e inconfundível. Quási tôdas as suas publicações, feitas em edições reservadas, são hoje raridades bibliográficas. Os seus proprios inimigos não negam a fôrça dramática, o espírito, a elegancia, a erudição e a virilidade do seu estilo literário. Os seus contos, sobretudo, são modelos de construcção dramática. Nunca fôram dados à estampa em edições para o público. Êste homem extraordinário tambem é pintor.

    Uma nota curiosa: Foi um dos mais íntimos amigos do grande escultor Rodin.

     

    Foi, pois, natural que ao verificar o nome de Edward A. Crowley me lembrasse do de Aleister Crowley e que — dado os mistérios conhecidos dêsse individuo — o ligasse à carta (estranha nos sinais, para mim iccompreensiveis) que tinha encontrado.

    Telefonou-se, ali mesmo para o Hotel Central, em Cintra. Crowley não estava, nem lá se tinha hospedado / Verifiquei depois que tambem não se encontrava em nenhum outro hotel dessa vila. Procurei obter, a seguir, a tradução da carta, na parte traduzivel. E por ela e ainda porque, antes de mais nada, sou jornalista, verifiquei que tinha nas mãos — pelo menos — uma explêndida notícia.

    Essa notícia não poude ser publicada no jornal de 25 o que se efectivou no dia seguinte. E assim, às três horas da tarde dêsse mesmo dia, fui fazer a entrega do meu achado ao Ex.mo Sr. Dr. Alexandrino de Albuquerque.

    AS FICHAS DE CROWLEY E MISS JAEGER — A PASSAGEM DA FRONTEIRA EM 23 — O RECONHECIMENTO DA LETRA E DA CIGARREIRA.

    Muito atencioso, o Sr. Dr. Alexadrino de Albuquerque, ouviu a minha breve exposição e mandou, imediatamente, à repartição respectiva, buscar as fichas de Mr. Crowley e de Miss Jaeger.

    Teve palavras amáveis para o jornalista e citou nessa altura, no meio da conversa, a necessidade crescente que tem a nossa polícia — com tantas e tão grandes qualidades de honradez e disciplina — de se aperfeiçoar nos novos processos do crime para, assim, com outra preparação, estar apta a poder enfrentar os criminosos complicados que embora felizmente não abundem; já vão aparecendo em Portugal.

    Tinha chegado a ficha de Crowley. Dava-o como saido pela fronteira de Vilar Formoso no dia 23. Estava, aparentemente, o caso arrumado. Se [10] Crowley saira é porque não estava cá. Nesta altura apresentou-se ao Sr. Dr. Alexandrino de Albuquerque o escritor Fernando Pessoa — diga-se de passagem uma das mais interessantes se não a mais interessante e superior mentalidade da minha geração — meu amigo de há muito e que, sabendo pelo «Diário de Notícias» do sucesso, vinha dar algumas explicações.

    (Mais adeante no relato completo das suas relações com Aleister Crowley o sr. Fernando Pessoa recapitula o que então disse).

    Ao ser-lhe apresentada a carta de Crowley reconheceu imediatamente a letra. Tambem disse já ter visto a cigarreira nas mãos do referido escritor.

    Nesse momento chegou a ficha de Miss Hanni Jaeger. Não tinha nem data de saída, nem destino. (A Polícia de Emigração — creio — informou depois que ela saira a bordo do vapor «Werra».)

    Vejamos agora, para complemento, o que diz o sr. Fernando Pessoa:

    UM TESTEMUNHO IMPORTANTE — SOL EM BALANÇA — A TRADUÇÃO (QUASI COMPLETA) DA CARTA MISTERIOSA — ALEISTER CROWLEY ESTAVA EM LISBOA NO DIA 24?

    «Em Novembro do ano passado recebi pelo correio uma circular anunciando a publicação em seis volumes das «Confissões de Aleister Crowley . O nome era-me conhecido, como a tôda a gente que vive na civilisação, pelo vasto escandalo, erguido por jornais inglêses e americanos, que o rodeava. A circular era interessantíssima. Assinei, com sacrificio, a publicação. Em princípios de Dezembro recebi o primeiro volume da Confissões; só êsse e o segundo estão, aliás, ainda publicados. O primeiro volume abre com um horóscopo de Crowley. Como sou astrólogo, estudei atentamente êsse horóscopo, e, quando remeti aos editores a importancia do volume, puz na minha carta uma nota final: disse-lhes que comunicassem ao sr. Crowley que o seu horóscopo estava errado, devendo êle ter nascido um pouco antes da hora que supunha. De aí a dias recebi uma carta de Crowley, agradecendo a minha indicação e achando-a muito aceitável. Assim começaram, a distância, as nossas relações. Quando, em fins de Dezembro, recebi o segundo volume, enviei a Crowley três folhetos meus, de versos, em inglês, que há bastante tempo publicara. Ao agradecer-mos, Crowley honrou-me com a afirmação de que me desejava conhecer, e de que aproveitaria a primeira viagem propícia, das muitas que fazia para me vir falar. Assim fez. Tendo que sair de Inglaterra por motivos de saude, escolheu Portugal — ou, mais propriamente, a Costa do Sol — para estância de repouso. Em 29 de Agosto recebi um telegrama anunciando que chegava no «Alcantara» e pedindo que a fôsse esperar. O «Alcantara», retido em Vigo pelo nevoeiro, chegou a 2 — em vez de a 1 — de Setembro. Esperei Crowley, e encontrei-o, como se combinara. Datam dêsse dia as nossas relações pessoais. Crowley vinha acompanhado de uma senhora muito jóvem, que supuz ser inglêsa, mas depois soube ser alemã e chamar-se Hanni Larissa Jaeger. Ficaram os dois no Hotel de L’Europe, de onde foram, no dia seguinte, para o Hotel Paris, no Estoril. Encontrei-os (aos dois) só duas vezes depois da chegada — uma vez no Estoril, no dia 7; outra vez em Lisboa, no dia 9. Depois do dia 9 não tornei a vêr Miss Jaeger.

    EM 18 de Setembro recebi uma carta de Crowley, escrita do Hotel Miramar, no Monte Estoril. Dizia-me que Miss Jaeger tivera, na noite de 16, um violentíssimo ataque histérico, que havia sobressaltado o Hotel Paris inteiro; que em virtude disso tinha vindo para o Hotel Miramar; mas que, na manhã de 17, Miss Jaeger tinha desaparecido, deixando apenas duas linhas a lapis, dizendo que «voltava em breve». No mesmo dia 18 Crowley apareceu-me em Lisboa, visivelmente preocupado com o desaparecimento de Miss Jaeger. Disse-me que o que sobretudo o preocupava era a hereditariedade carregadíssima dela, a sua tendência proclamada para o suicídio, e a convicção em que estava de estar sendo perseguida por um mago negro chamado Yorke. Achava pois urgentíssimo descobrir o seu paradeiro. Como me pareceu realmente importante encontrar Miss Jaeger — cuja tendência para o suicídio, com ou sem magos negros, não era tranquilisadora —, fui à Polícia de Segurança, por ser meu amigo o Segundo Comandante, Major Joaquim Marques, e a êste expuz a situação e pedi que se fizesse o possível para encontrar a desaparecida. Ficaram de a procurar, e sei que de facto a procuraram. Que eu soubesse, não a conseguiram encontrar. Vejo agora, num jornal, que a Polícia (não sei qual) descobriu que ela saira do país no dia 20, a bordo do vapor «Werra», para a Alemanha, e que era americana e não alemã, tendo até pedido auxílio monetario no Consulado dos Estados Unidos. Registro e duvido. O passaporte dela, como o vi e o tinham no Hotel de l’Europe, era alemão. Crowley ficou em Lisboa, no Hotel l’Europe, desde o dia 18 até dia 23 (salvo Domingo, 21, em que foi jogar xadrez a Cintra). Foi durante esta estada em Cintra, com que ficara encantado, e que ali se demoraria alguns dias. Despediu-se de mim às 10 horas e meia do dia 23, à porta do Cafe Arcada, no Terreiro do Passo. Nunca mais lhe falei. Quero crer que ainda o vi. No dia 24, vindo da Estrela, de manhã no carro que desce a Avenida, vi Crowley, ou o seu fantasma, dobrar a esquina do Café La Gare para a Rua 1.º de Dezembro. No mesmo dia 24, ao atravessar a Praça Duque de Terceira, vi Crowley, ou o seu fantasma, entrar, com outro individuo, para a Tabacaria Ingleza. Em nenhum dos casos havia tempo, ou até razão, para lhe falar, nem estranhei muito que viesse a Lisboa um individuo que está em Cintra.

     

    No dia 25, passando pelo Hotel de l’Europe, perguntei contudo ao porteiro se o sr. Crowley efectivamente estava em Sintra. Respondeu-me que sim, e que se demorava até ao fim da semana. Disse-lhe que perguntava porque tinha visto o sr. Crowley, no dia anterior, nas imediações da Estação do Cais do Sodré; a isto o porteiro respondeu textualmente, «é que ele deve ter ido hontem ao Estoril com um amigo que tem em Sintra». Isto, como é de ver, confirmou a minha impressão de cuja justeza não tinha razão para duvidar — de ter visto Crowley duas vezes no dia 24. A Polícia Internacional diz que êle passou a fronteira no dia 23. Se assim é , é assim; e nêsse caso não foi a êle que eu vi no dia 24. Eu aceitaria de bom grado a indicação da Polícia Internacional aceitaria, de menos bom grado, a hipótese de que se tratasse de uma mistificação do Crowley, se não fosse uma circunstância, contida na carta achada na Boca do Inferno, que me faz reverter, em certo modo, à minha impressão primitiva. A carta, traduzida literalmente, diz o seguinte:

    L. F. P.

    Não posso viver sem ti. «À outra Boca do Infierno» (sic) apanhar-me há-não será tão quente como a tua.

    Hisos

    Tu Li Yu.

    Explico até onde compreendo, e deixo o importante para o fim. «Ano 14» é sem duvida o ano pressente, na cronologia especial adoptada por Crowley, e cuja origem desconheço. «L. F. P». Não sei o que é, mas, pela colocação na carta, deve ser o «nome místico» de Miss Jaeger, ou as inicias dêle. «Hisos» também não sei o que é, mas tambem pela colocação, suponho ser uma «palavra magica», entendida só pelos dois. «Tu Li Yu» sei o que é, por Crowley uma vez me ter falado nisso: é o nome de um sabio chinês, que viveu uns três mil anos antes de Cristo e de quem Crowley dizia ser a incarnação presente. E agora o ponto importante: A data é «Sol em Balança». Ora o Sol entrou no signo de Balança às 18 horas e 36 minutos do dia 23 de Setembro; nêsse signo permanece até cerca de 22 de Outubro. Essa carta foi portanto escrita entre essa hora do dia 23 e a hora em que foi encontrada. Data falsa? Não. Um astrólogo póde pôr datas falsas, como tôda gente, desde que use os algarismos ou fórmulas vulgares. O que nenhum astrólogo, por motivos que não é licito revelar, ousaria fazer, é falsear uma data escrita em sinais dos astros. Aceito que um astrólogo seja tido por louco; mas então essa superstição é um dos sintómas fatais da sua loucura.

     

    Sobre o facto de Crowley assinar a carta, não com o próprio nome, nem com nenhum dos seus nomes ocultos ou maçonicos, mas com o nome representativo do que considera a sua primeira incarnação representativa, ou o seu primeiro «ser essencial», tambem haveria algumas observações a fazer, e de algum modo viriam para o caso. O que aí está, porém, já basta».

    [16]

    Repito: São êstes os factos. Os que commigo se passaram e os que apresenta o escritor sr. Fernando Pessoa. E depois de os contar, de os medir e de os pensar só restam as seguintes perguntas:

     

    — O que haverá em todo êste mistério? Qual a intenção de Crowley em escrever a carta alucinada? Seria na verdade Crowley quem passou a fronteira ou simplesmente, o seu passaporte? E se foi êle que passou em Vilar Formoso para quê a carta deixada na Boca do Inferno e cuja autenticidade está provada?

    E se na verdade partiu, para que disse no Hotel de L’Europe — assim como ao sr. Fernando Pessoa — que ia para Sintra?

    A estas preguntas que constantemente faço a mim próprio, não sei responder.

    Mais um misterio a juntar aos muitos que sempre rodearam Aleister Crowley. O tempo se encarregará de dar a resposta. E se a não der é que mais um segredo foi, para sempre — e para quasi todos — tragado pela noite intermina, na Nevoa do Universo.

    * * *

    É escusado dizer que a noticia, recebida com natural interêsse pelo público, foi recebida com hostilidade egualmente natural pela fauna prolixa dos cafés.

    Para êsses pobres diabos uma carta de um grande escriptor só pode ser encontrada se êles derem licença...

    Fora disso — a carta é falsa!

    AUGUSTO FERREIRA GOMES

  • [9]

    O MISTÉRIO DA BOCA DO INFERNO

    O nosso jornal trata a seguir dum caso em extremo curioso, que o nosso prezado colega «Diário de Notícias» relatou um destes dias. Trata-se do aparecimento duma carta e duma cigarreira, deixado por um célebre escritor inglês, misto de aventureiro e de artista que esteve há semanas entre nós, e cujo desaparecimento não está absolutamente esclarecido. Evidentemente nada sabemos ao certo sobre o assunto. Mas, como tivesse sido um redator deste jornal a pessoa que achou os misteriosos objetos, a ele recorremos para que, com a verdade a que a sua profissão obriga, e com o escrúpulo que o assunto requer, relate aos nossos leitores o que pessoalmente sabe dos factos em questão. Tem pois a palavra o jornalista Ferreira Gomes:

    À LAIA DE PRÓLOGO — QUEM É ALEISTER CROWLEY — NOTAS BIOGRÁFICAS — O ACHADO — O QUE DISSE O PORTEIRO DO HOTEL DE L’EUROPE — A DECLARAÇÃO DA PARTIDA PARA SINTRA NO DIA 23.

    QUANDO, em Portugal, se pratica qualquer crime que a Polícia, apesar dos seus enormes esforços, não consegue descobrir, a aplicação popular do nenhum resultado das investigações, é que se tratou de qualquer crime político, envolto nebulosamente pela impenetrabilidade das associações secretas...

    Quando em Lisboa se dá qualquer acontecimento misterioso — afora do chá morno do normal provinciano — a desculpa para os que não sabem raciocinar, é que o sucesso não passou de «blague» ou de «reclame», à americana...

    Ora isto é simplesmente cómodo. No primeiro caso exposto, ninguém fala na energia que a polícia gasta, nas vigílias e canseiras, no trabalho, enfim, que a mesma tem e do desgosto que há de sentir quando não pode descobrir os criminosos.

    No segundo caso também ninguém concebe o misterioso, sem uma finalidade íntima de negociata ou de «réclame». O facto é que existem casos — não só em Portugal mas em todo o mundo — que para sempre ficam envoltos na sombra, crimes que jamais são punidos, e acontecimentos misteriosos para os quais, também nunca há explicação.

    E, posto isto, vamos aos factos:

     

    Na tarde do dia 25 do corrente — já o «Diário de Notícias» desenvolvidamente narrou em primeira mão — encontrei, na «Boca do Inferno», junto à abertura conhecida pelo nome de «Mata Cães», uma carta sobre a qual pesava uma cigarreira.

    (Pelas gravuras que acompanham este artigo poderão os leitores verificar a existência destes objectos. No decorrer da narrativa se encontrará a tradução da carta).

    O achado era estranho mas não lhe dei uma importância de maior.

    Como sei pouco inglês — a carta além dos sinais enigmáticos estava escrita nessa língua — só me chamou a atenção a frase «Boca do Infierno» (sic), na mesma intercalada no resto do texto. Em Cascais, durante o jantar, examinei melhor a carta. Como acima disse tenho poucos conhecimentos de inglês, mas, dada a minha curiosidade consegui, não sem esforço de atenção, perceber a primeira frase: «Não posso viver sem ti». Ora, ligando essa frase ao local onde encontrara a carta, local atrás citado na mesma, fui obrigado — e qualquer pessoa o seria — a dar, mais atenção ao assunto.

    Tinha dois pontos de referência. O papel do hotel e o nome da destinatária. Optei pelo primeiro por ser o imediatamente acessível. E foi assim que o porteiro do Hotel de L’Europe me disse ter lá estado hospedada Miss Anni L. Jaeger, mas que dias antes — a 19 — se havia retirado.

    Disse eu então, que tinha encontrado um objeto de sua pertença, ao que o porteiro me retorquiu:

    — Quem o poderá informar do paradeiro dessa senhora é um hóspede que a acompanhava quando veio para Lisboa e que, presentemente se encontra em Sintra, no Hotel Central...

    — O seu nome? — perguntei.

    Analisando o livro dos hóspedes, soube que a pessoa em questão se chamava Edward A. Crowley.

    Ora este nome lembrou-me imediatamente o de Aleister Crowley, o célebre escritor tão atacado em Inglaterra pelo exotismo dos seus livros e pelas suas múltiplas habilidades. Para elucidação dos leitores a seguir a sua biografia:

     

    Edward Alexander Crowley — literariamente Aleister Crowley — nasceu em Leamigton Inglaterra, em 12 de outubro de 1875. Frequentou Cambridge donde saiu antes de se formar. Fez, na América, durante a grande guerra, a contra espionagem a favor da Inglaterra e de tal maneira se houve que conseguiu escangalhar todos os manejos germânicos.

    James Douglas, no «Daily Express» chamou-lhe «um monstro de perversidade». Horatio Bottomley, no «John Bull». Chamou-lhe «um vil degenerado».Os sucessores de Bottomley («John Bull», maio de 1929) chamaram-lhe o «pior homem da Inglaterra». Crowley chama-se a si próprio Mestre Therion e intitula as suas «Confissões» uma auto-hagiografia — ou seja — a autobiografia de um santo.

    Os factos acerca de Aleister Crowley, à parte os ataques jornalísticos, nunca foram bem conhecidos. É um erudito e um «gentleman», poeta, místico, caçador de feras, prático de rituais mágicos, químico, e jogador de xadrez. Alpinista, já subiu aos Alpes, aos Himalaias e aos vulcões do México — coisas que não são bem características de um degenerado. Atravessou, a pé, o Saara, a Espanha e a China. Viveu como «Yogi» numa aldeia da Índia, como castelão na Escócia, como boémio em Londres, Paris e New York. Visitou Moscow e fundou em Itália, na Vila Santa Bárbara, — Cefalù, Sicília — uma Fraternidade Mística.

    A sua produção literária é enorme e inconfundível. Quase todas as suas publicações, feitas em edições reservadas, são hoje raridades bibliográficas. Os seus próprios inimigos não negam a força dramática, o espírito, a elegância, a erudição e a virilidade do seu estilo literário. Os seus contos, sobretudo, são modelos de construção dramática. Nunca foram dados à estampa em edições para o público. Este homem extraordinário também é pintor.

    Uma nota curiosa: Foi um dos mais íntimos amigos do grande escultor Rodin.

     

    Foi, pois, natural que ao verificar o nome de Edward A. Crowley me lembrasse do de Aleister Crowley e que — dado os mistérios conhecidos desse individuo — o ligasse à carta (estranha nos sinais, para mim incompreensíveis) que tinha encontrado.

    Telefonou-se, ali mesmo para o Hotel Central, em Sintra. Crowley não estava, nem lá se tinha hospedado / Verifiquei depois que também não se encontrava em nenhum outro hotel dessa vila. Procurei obter, a seguir, a tradução da carta, na parte traduzível. E por ela e ainda porque, antes de mais nada, sou jornalista, verifiquei que tinha nas mãos — pelo menos — uma esplêndida notícia.

    Essa notícia não pôde ser publicada no jornal de 25 o que se efetivou no dia seguinte. E assim, às três horas da tarde desse mesmo dia, fui fazer a entrega do meu achado ao Ex.mo Sr. Dr. Alexandrino de Albuquerque.

    AS FICHAS DE CROWLEY E MISS JAEGER — A PASSAGEM DA FRONTEIRA EM 23 — O RECONHECIMENTO DA LETRA E DA CIGARREIRA.

    Muito atencioso, o Sr. Dr. Alexadrino de Albuquerque, ouviu a minha breve exposição e mandou, imediatamente, à repartição respetiva, buscar as fichas de Mr. Crowley e de Miss Jaeger.

    Teve palavras amáveis para o jornalista e citou nessa altura, no meio da conversa, a necessidade crescente que tem a nossa polícia — com tantas e tão grandes qualidades de honradez e disciplina — de se aperfeiçoar nos novos processos do crime para, assim, com outra preparação, estar apta a poder enfrentar os criminosos complicados que embora felizmente não abundem; já vão aparecendo em Portugal.

    Tinha chegado a ficha de Crowley. Dava-o como saído pela fronteira de Vilar Formoso no dia 23. Estava, aparentemente, o caso arrumado. Se [10]Crowley saíra é porque não estava cá. Nesta altura apresentou-se ao Sr. Dr. Alexandrino de Albuquerque o escritor Fernando Pessoa — diga-se de passagem uma das mais interessantes se não não a mais interessante e superior mentalidade da minha geração — meu amigo de há muito e que, sabendo pelo «Diário de Notícias» do sucesso, vinha dar algumas explicações.

    (Mais adiante no relato completo das suas relações com Aleister Crowley o sr. Fernando Pessoa recapitula o que então disse).

    Ao ser-lhe apresentada a carta de Crowley reconheceu imediatamente a letra. Também disse já ter visto a cigarreira nas mãos do referido escritor.

    Nesse momento chegou a ficha de Miss Hanni Jaeger. Não tinha nem data de saída, nem destino. (A Polícia de Emigração — creio — informou depois que ela saíra a bordo do vapor «Werra».)

    Vejamos agora, para complemento, o que diz o sr. Fernando Pessoa:

    UM TESTEMUNHO IMPORTANTE — SOL EM BALANÇA — A TRADUÇÃO (QUASE COMPLETA) DA CARTA MISTERIOSA — ALEISTER CROWLEY ESTAVA EM LISBOA NO DIA 24?

    «Em novembro do ano passado recebi pelo correio uma circular anunciando a publicação em seis volumes das «Confissões de Aleister Crowley. O nome era-me conhecido, como a toda a gente que vive na civilização, pelo vasto escândalo, erguido por jornais ingleses e americanos, que o rodeava. A circular era interessantíssima. Assinei, com sacrifício, a publicação. Em princípios de dezembro recebi o primeiro volume da Confissões; só esse e o segundo estão, aliás, ainda publicados. O primeiro volume abre com um horóscopo de Crowley. Como sou astrólogo, estudei atentamente esse horóscopo, e, quando remeti aos editores a importância do volume, pus na minha carta uma nota final: disse-lhes que comunicassem ao sr. Crowley que o seu horóscopo estava errado, devendo ele ter nascido um pouco antes da hora que supunha. Daí a dias recebi uma carta de Crowley, agradecendo a minha indicação e achando-a muito aceitável. Assim começaram, a distância, as nossa relações. Quando, em fins de dezembro, recebi o segundo volume, enviei a Crowley três folhetos meus, de versos, em inglês, que há bastante tempo publicara. Ao agradecer-mos, Crowley honrou-me com a afirmação de que me desejava conhecer, e de que aproveitaria a primeira viagem propícia, das muitas que fazia para me vir falar. Assim fez. Tendo que sair de Inglaterra por motivos de saúde, escolheu Portugal — ou, mais propriamente, a Costa do Sol — para estância de repouso. Em 29 de agosto recebi um telegrama anunciando que chegava no «Alcântara» e pedindo que a fosse esperar. O «Alcântara», retido em Vigo pelo nevoeiro, chegou a 2 — em vez de a 1 — de setembro. Esperei Crowley, e encontrei-o, como se combinara. Datam desse dia as nossas relações pessoais. Crowley vinha acompanhado de uma senhora muito jovem, que supus ser inglesa, mas depois soube ser alemã e chamar-se Hanni Larissa Jaeger. Ficaram os dois no Hotel de L’Europe, de onde foram, no dia seguinte, para o Hotel Paris, no Estoril. Encontrei-os (aos dois) só duas vezes depois da chegada — uma vez no Estoril, no dia 7; outra vez em Lisboa, no dia 9. Depois do dia 9 não tornei a ver Miss Jaeger.

    EM 18 de setembro recebi uma carta de Crowley, escrita do Hotel Miramar, no Monte Estoril. Dizia-me que Miss Jaeger tivera, na noite de 16, um violentíssimo ataque histérico, que havia sobressaltado o Hotel Paris inteiro; que em virtude disso tinha vindo para o Hotel Miramar; mas que, na manhã de 17, Miss Jaeger tinha desaparecido, deixando apenas duas linhas a lápis, dizendo que «voltava em breve». No mesmo dia 18 Crowley apareceu-me em Lisboa, visivelmente preocupado com o desaparecimento de Miss Jaeger. Disse-me que o que sobretudo o preocupava era a hereditariedade carregadíssima dela, a sua tendência proclamada para o suicídio, e a convicção em que estava de estar sendo perseguida por um mago negro chamado Yorke. Achava pois urgentíssimo descobrir o seu paradeiro. Como me pareceu realmente importante encontrar Miss Jaeger — cuja tendência para o suicídio, com ou sem magos negros, não era tranquilizadora —, fui à Polícia de Segurança, por ser meu amigo o Segundo Comandante, Major Joaquim Marques, e a este expus a situação e pedi que se fizesse o possível para encontrar a desaparecida. Ficaram de a procurar, e sei que de facto a procuraram. Que eu soubesse, não a conseguiram encontrar. Vejo agora, num jornal, que a Polícia (não sei qual) descobriu que ela saíra do país no dia 20, a bordo do vapor «Werra», para a Alemanha, e que era americana e não alemã, tendo até pedido auxílio monetário no Consulado dos Estados Unidos. Registro e duvido. O passaporte dela, como o vi e o tinham no Hotel de l’Europe, era alemão. Crowley ficou em Lisboa, no Hotel l’Europe, desde o dia 18 até dia 23 (salvo domingo, 21, em que foi jogar xadrez a Sintra). Foi durante esta estada em Sintra, com que ficara encantado, e que ali se demoraria alguns dias. Despediu-se de mim às 10 horas e meia do dia 23, à porta do Café Arcada, no Terreiro do Paço. Nunca mais lhe falei. Quero crer que ainda o vi. No dia 24, vindo da Estrela, de manhã no carro que desce a Avenida, vi Crowley, ou o seu fantasma, dobrar a esquina do Café La Gare para a Rua 1.º de Dezembro. No mesmo dia 24, ao atravessar a Praça Duque de Terceira, vi Crowley, ou o seu fantasma, entrar, com outro indivíduo, para a Tabacaria Inglesa. Em nenhum dos casos havia tempo, ou até razão, para lhe falar, nem estranhei muito que viesse a Lisboa um indivíduo que está em Sintra.

     

    No dia 25, passando pelo Hotel de l’Europe, perguntei contudo ao porteiro se o sr. Crowley efetivamente estava em Sintra. Respondeu-me que sim, e que se demorava até ao fim da semana. Disse-lhe que perguntava porque tinha visto o sr. Crowley, no dia anterior, nas imediações da Estação do Cais do Sodré; a isto o porteiro respondeu textualmente, «é que ele deve ter ido ontem ao Estoril com um amigo que tem em Sintra». Isto, como é de ver, confirmou a minha impressão de cuja justeza não tinha razão para duvidar — de ter visto Crowley duas vezes no dia 24. A Polícia Internacional diz que ele passou a fronteira no dia 23. Se assim é , é assim; e nesse caso não foi a ele que eu vi no dia 24. Eu aceitaria de bom grado a indicação da Polícia Internacional aceitaria, de menos bom grado, a hipótese de que se tratasse de uma mistificação do Crowley, se não fosse uma circunstância, contida na carta achada na Boca do Inferno, que me faz reverter, em certo modo, à minha impressão primitiva. A carta, traduzida literalmente, diz o seguinte:

    L. F. P.

    Não posso viver sem ti. «À outra Boca do Infierno» (sic) apanhar-me-á-não será tão quente como a tua.

    Hisos

    Tu Li Yu.

    Explico até onde compreendo, e deixo o importante para o fim. «Ano 14» é sem dúvida o ano presente, na cronologia especial adotada por Crowley, e cuja origem desconheço. «L. F. P». Não sei o que é, mas, pela colocação na carta, deve ser o «nome místico» de Miss Jaeger, ou as iniciais dele. «Hisos» também não sei o que é, mas também pela colocação, suponho ser uma «palavra mágica», entendida só pelos dois. «Tu Li Yu» sei o que é, por Crowley uma vez me ter falado nisso: é o nome de um sábio chinês, que viveu una três mil anos antes de Cristo e de quem Crowley dizia ser a encarnação presente. E agora o ponto importante: A data é «Sol em Balança». Ora o Sol entrou no signo de Balança às 18 horas e 36 minutos do dia 23 de setembro; nesse signo permanece até cerca de 22 de outubro. Essa carta foi portanto escrita entre essa hora do dia 23 e a hora em que foi encontrada. Data falsa? Não. Um astrólogo pode pôr datas falsas, como toda gente, desde que use os algarismos ou fórmulas vulgares. O que nenhum astrólogo, por motivos que não é lícito revelar, ousaria fazer, é falsear uma data escrita em sinais dos astros. Aceito que um astrólogo seja tido por louco; mas então essa superstição é um dos sintomas fatais da sua loucura.

     

    Sobre o facto de Crowley assinar a carta, não com o próprio nome, nem com nenhum dos seus nomes ocultos ou maçónicos, mas com o nome representativo do que considera a sua primeira encarnação representativa, ou o seu primeiro «ser essencial», também haveria algumas observações a fazer, e de algum modo viriam para o caso. O que aí está, porém, já basta».

    [16]

    Repito: São estes os factos. Os que comigo se passaram e os que apresenta o escritor sr. Fernando Pessoa. E depois de os contar, de os medir e de os pensar só restam as seguintes perguntas:

     

    — O que haverá em todo este mistério? Qual a intenção de Crowley em escrever a carta alucinada? Seria na verdade Crowley quem passou a fronteira ou simplesmente, o seu passaporte? E se foi ele que passou em Vilar Formoso para quê a carta deixada na Boca do Inferno e cuja autenticidade está provada?

    E se na verdade partiu, para que disse no Hotel de L’Europe — assim como ao sr. Fernando Pessoa — que ia para Sintra?

    A estas perguntas que constantemente faço a mim próprio, não sei responder.

    Mais um mistério a juntar aos muitos que sempre rodearam Aleister Crowley. O tempo se encarregará de dar a resposta. E se a não der é que mais um segredo foi, para sempre — e para quase todos — tragado pela noite intérmina, na Névoa do Universo.

    * * *

    É escusado dizer que a notícia, recebida com natural interesse pelo público, foi recebida com hostilidade igualmente natural pela fauna prolixa dos cafés.

    Para esses pobres diabos uma carta de um grande escritor só pode ser encontrada se eles derem licença...

    Fora disso — a carta é falsa!

    AUGUSTO FERREIRA GOMES

  • Nomes

    • Aleister Crowley
    • Alexandrino de Albuquerque
    • Auguste Rodin
    • Augusto Ferreira Gomes
    • Fernando Pessoa
    • Hanni Larissa Jaeger
    • Horatio Bottomley
    • James Douglas
    • Joaquim Marques