-
Cronica literaria
ORFEU — Revista Trímestral de Literatura. — No. 1 (Janeiro-fevereiro-março) — Depósitarios, Livraria Brazileira, de Monteiro & C.e, Lisbôa.
Como se dê o caso de sermos colaborador desta revista, e como, caso — não a querendo por isso criticar — preferissemos dar uma idéa da sua orientação, fatalmente consumiriamos um impossivel numero de colunas, limitar-nos-hemos a algumas observações, que não constituirão critica nem explicação, mas que visam apenas a orientar no assunto os espiritos curiosos e para quem meia palavra baste.
Como o leitor não sabe, o movimento romantico inglês foi iniciado definidamente pela publicação, em 1798, das Lyrical Ballads de Wordsworth e Coleridge. Este livro ― que contém dois dos maiores poemas de todas as literaturas, o Ancient Mariner de Coleridge e a Tintern Abbey de Wordsworth ― teve por toda a Inglaterra um êxito de gargalhada. Entre os que mais riram destacou-se Byron, que no English Bards and Scotch Reviewers, deu a qualquer dos poetas das Ballads uma desagradavel preeminencia no ridiculo. Até ao fim da vida Lord Byron teve sempre mais ou menos sob satira esses dois poetas; mas acontece que a sua terceira faze, que é o seu maior — senão o seu unico — titulo de gloria, foi escrita sob a influencia dêsses dois. Escussamos de historiar como o meio inglês se foi adaptando, e como Wordsworth acabou Poet Laureate; o caso de Byron, que morreu antes dêssa adaptação estar feita, resume tudo o que, de ensinamento, estes factos possam sugerir.
Nas sóbrias laudas do seu Essay Suplementary a edição de 1815 das Lyrical Ballads , Wordsworth escreveu estes periodos:
«Se ha conclusão que, mais do que qualquer outra, nos seja imposta pela revista, que fizemos, da sorte e do destino das poeticas, é a seguinte: que todo o autor, na proporção em que é grande e ao mesmo tempo original, tem tido sempre que criar o sentimento estético pelo qual ha de ser apreciado; assim foi sempre e assim continuará a ser... Para o que é propriamente seu, ele terá, não só que limpar, senão que muitas vezes que abrir, o seu proprio caminho; estará no caso de Anibal entre os Alpes.»
Estas palavras pertencem já a Eternidade. Chamamos sobre elas a atenção e o raciocinio do leitor. Não lhe diremos se é nossa opinião ou não, que haja homens de genio entre os colaboradores de Orpheu. Isso não o auxiliaria a compreender, nem alteraria a decisão do futuro.
Fernando Pessôa
-
Crónica literária
ORFEU — Revista Trimestral de Literatura. — No. 1 (Janeiro-fevereiro-março) — Depositários, Livraria Brasileira, de Monteiro &e C.e, Lisboa.
Como se dê o caso de sermos colaborador desta revista, e como, caso — não a querendo por isso criticar — preferíssemos dar uma ideia da sua orientação, fatalmente consumiríamos um impossível número de colunas, limitar-nos-emos a algumas observações, que não constituirão crítica nem explicação, mas que visam apenas a orientar no assunto os espíritos curiosos e para quem meia palavra baste.
Como o leitor não sabe, o movimento romântico inglês foi iniciado definidamente pela publicação, em 1798, das Lyrical Ballads de Wordsworth e Coleridge. Este livro ― que contém dois dos maiores poemas de todas as literaturas, o Ancient Mariner de Coleridge e a Tintern Abbey de Wordsworth ― teve por toda a Inglaterra um êxito de gargalhada. Entre os que mais riram destacou-se Byron, que no English Bards and Scotch Reviewers, deu a qualquer dos poetas das Ballads uma desagradável preeminência no ridículo. Até ao fim da vida Lord Byron teve sempre mais ou menos sob sátira esses dois poetas; mas acontece que a sua terceira fase, que é o seu maior — senão o seu único — título de glória, foi escrita sob a influência desses dois. Escusamos de historiar como o meio inglês se foi adaptando, e como Wordsworth acabou Poet Laureate; o caso de Byron, que morreu antes dessa adaptação estar feita, resume tudo o que, de ensinamento, estes factos possam sugerir.
Nas sóbrias laudas do seu Essay Suplementary a edição de 1815 das Lyrical Ballads, Wordsworth escreveu estes períodos:
«Se há conclusão que, mais do que qualquer outra, nos seja imposta pela revista, que fizemos, da sorte e do destino das poéticas, é a seguinte: que todo o autor, na proporção em que é grande e ao mesmo tempo original, tem tido sempre que criar o sentimento estético pelo qual há de ser apreciado; assim foi sempre e assim continuará a ser... Para o que é propriamente seu, ele terá, não só que limpar, senão que muitas vezes que abrir, o seu próprio caminho; estará no caso de Aníbal entre os Alpes.»
Estas palavras pertencem já à Eternidade. Chamamos sobre elas a atenção e o raciocínio do leitor. Não lhe diremos se é nossa opinião ou não, que haja homens de génio entre os colaboradores de Orpheu. Isso não o auxiliaria a compreender, nem alteraria a decisão do futuro.
Fernando Pessoa
Crónica literária (ʺOrpheuʺ)
Fernando Pessoa
O Jornal , 6 de abril de 1915, p. 1.