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Dez minutos com Fernando Pessoa

Fernando Pessoa

Suplemento Literário do Diário de Lisboa , 14 de dezembro de 1934, p. 5.

  • Dez minutos com Fernando Pessoa

    A calva socratica, os olhos de corvo de Edgar Poe, e um bigode rizivel, chaplinesco ― eis a traços tão forte como precizos a mascara de Fernando Pessoa. Encontramo-lo friorento e encharcado desta chuva cruel de dezembro a uma mesa do Martinho da Arcada, ultima estampa romantica dos cafés do seculo XX. É ali que vivem agora os derradeiros abencerragens do «Orfeu». A lira não se partiu. Ecôa ainda, mas menos barbara, trazida da velha Grecia, no peito duma sereia. Até a foz romana do Tejo, Fernando Pessoa tem três almas, baptizadas na pia lustral da estetica nova: Alvaro de Campos, o das odes, convulsivo de dinamismo, Ricardo Reis, o classico, que trabalha maravilhosamente a proza, descobrindo na cinza dos tumulos, tesouros de imagens, e Alberto Caeiro, o super-clasico, magestoso como um principe. Mas desta vez fala Fernando Pessoa ― em «pessoa». O titulo da sua obra recente, «Mensagem», está entre nós, como um hifen de amizade literaria. Porque o titulo?

    O poeta desce a escada de Jacob, lentamente, coberto de neblinas e de signos misteriosos. A sua inteligencia geometriza palavras, que vai rectificando empóz. A sua confidencia é quasi soturna, tragica de inspiração intima:

    ― «Mensagem» é um livro nacionalista, e, portanto, na tradição cristã representada primeiro pela busca do Santo Graal, e depois pela esperança do Encoberto.

    É dificil de entender, mas os poetas falam como as cavernas com boca de misterio. De resto os versos são oiro de lingua, fortes como tempestades.

    ― É um livro novo?

    ― Escrito em mim ha muito tempo. Ha poemas que são de 1914, quasi do tempo de «Orfeu».

    ― Mas estes são agora mais classicos, digamos. Versos de almas tranquilas...

    ― Talvez? É que eu tenho varias maneiras de escrever ― nunca uma.

    ― E como establece o contacto com o deserto branco do papel?

    Pessoa, numa nuvem do opio:

    ― Por impulso, por intuição, que depois altero. O autor dá lugar ao critico, mas este sabe o que aquele quiz fazer...

    ― A sua «Mensagem»...

    ― Projectar no momento presente uma coisa que vem atravez de Portugal, desde os romances de cavalaria. Quiz marcar o destino imperial de Portugal, esse imperio que perpassou através de D. Sebastião, e que continua, «ha-de ser».

    Fernando Pessoa, recolhe-se. Disse tudo. Sobe a escada de Jacob e desaparece á nossa vista, num ceu constelado de enigmas e de belas imagens Ferreira Gomes que está ao nosso lado olha-nos com misterio. Que é do poeta?

    A. P.

  • Dez minutos com Fernando Pessoa

    A calva socrática, os olhos de corvo de Edgar Poe, e um bigode risível, chaplinesco ― eis a traços tão forte como precisos a máscara de Fernando Pessoa. Encontramo-lo friorento e encharcado desta chuva cruel de dezembro a uma mesa do Martinho da Arcada, última estampa romântica dos cafés do século XX. É ali que vivem agora os derradeiros abencerragens do «Orfeu». A lira não se partiu. Ecoa ainda, mas menos bárbara, trazida da velha Grécia, no peito duma sereia. Até a foz romana do Tejo, Fernando Pessoa tem três almas, batizadas na pia lustral da estética nova: Álvaro de Campos, o das odes, convulsivo de dinamismo, Ricardo Reis, o clássico, que trabalha maravilhosamente a prosa, descobrindo na cinza dos túmulos, tesouros de imagens, e Alberto Caeiro, o superclássico, majestoso como um príncipe. Mas desta vez fala Fernando Pessoa ― em «pessoa». O título da sua obra recente, «Mensagem», está entre nós, como um hífen de amizade literária. Porquê o título?

    O poeta desce a escada de Jacob, lentamente, coberto de neblinas e de signos misteriosos. A sua inteligência geometriza palavras, que vai retificando empós. A sua confidência é quase soturna, trágica de inspiração íntima:

    ― «Mensagem» é um livro nacionalista, e, portanto, na tradição cristã representada primeiro pela busca do Santo Graal, e depois pela esperança do Encoberto.

    É difícil de entender, mas os poetas falam como as cavernas com boca de mistério. De resto os versos são oiro de língua, fortes como tempestades.

    ― É um livro novo?

    ― Escrito em mim há muito tempo. Há poemas que são de 1914, quase do tempo de «Orfeu».

    ― Mas estes são agora mais clássicos, digamos. Versos de almas tranquilas...

    ― Talvez? É que eu tenho várias maneiras de escrever ― nunca uma.

    ― E como estabelece o contacto com o deserto branco do papel?

    Pessoa, numa nuvem do ópio:

    ― Por impulso, por intuição, que depois altero. O autor dá lugar ao crítico, mas este sabe o que aquele quis fazer...

    ― A sua «Mensagem»...

    ― Projetar no momento presente uma coisa que vem através de Portugal, desde os romances de cavalaria. Quis marcar o destino imperial de Portugal, esse império que perpassou através de D. Sebastião, e que continua, «há de ser».

    Fernando Pessoa, recolhe-se. Disse tudo. Sobe a escada de Jacob e desaparece à nossa vista, num céu constelado de enigmas e de belas imagens Ferreira Gomes que está ao nosso lado olha-nos com mistério. Que é do poeta?

    A. P. A[rtur] P[ortela]

  • Namen

    • Alberto Caeiro
    • Augusto Ferreira Gomes
    • D. Sebastião
    • Edgar Allan Poe
    • Fernando Pessoa
    • Ricardo Reis
    • Álvaro de Campos

    Titel

    • Mensagem

    Zeitschriften

    • Orpheu Q1351196 12089