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A revista “Athena" e o que nos afirmou Fernando Pessôa"
Lançar uma revista de arte num meio acanhado como o nosso, onde quasi todas as tentativas literarias e artísticas falham por falta de auxilio do publico, é, já por si, digno de admiração, pelo que tem de arrojado.
Fernando Pessoa, artista original e interessante que rapidamente se distinguiu dentre a multidão de escritores da sua geração, acaba de lançar, com Ruy Vaz, outro artista de valor, uma nova revista de arte. Quizemos ouvi-lo sobre a sua interessante iniciativa:
– A que veiu a «Athena»?
– Dar ao publico português, tanto quanto possível, uma revista puramente de arte, isto é, nem de ocasião e inicio como o «Orfeu», nem quasi de pura decoração, como a admiravel «Contemporanea».
– Mas em que é que consiste uma revista «puramente de arte»?
– Ha três publicos – um que vê, outro que lê, outro que não ha. O primeiro é composto da maioria, o segundo da minoria, o terceiro de individuos. O primeiro quere ver, o segundo quere conhecer, o terceiro quere compreender. Uma revista «puramente de arte» é feita para o publico que «compreende» a arte, e, ao mesmo tempo, para que os publicos, que a não compreendem, compreendam, um que ela tem que compreender, o outro que ela póde ser compreendida, visto que ha quem a compreenda.
– E isso como se faz?
– Fazendo-se. Exclue se, primeiro, o criterio de homogeneidade (escola ou corrente); assim se acentua e se ensina que a arte é essencialmente multiforme, o que é uma das primeiras cousas que tem que aprender muita gente que já o sabe. Nas estampes da primeira «Athena» verá reproduções de obras de um classico, de um romantico, de um contemporaneo. Na parte literaria igual diversidade se busca, como se vê e verá. Depois...
– Depois?
– Exclue se o criterio de fragmentação (amostras e retalhos): não se publicam nem trechos esteticamente compreensiveis só como fragmentarios – isto é, incompreensiveis – nem poucas produções de um autor para cuja compreensão sejam precisas muitas. É em obediencia a este criterio que a primeira «Athena» insere nada menos que onze reproduções de quadros do Visconde de Menezes, e nada menos que o primeiro livro, inteiro, das «Odes», de Ricardo Reis. Por fim...
– Por fim?
– Exclue se o criterio de não dar novidade nenhuma. Em igualdade estetica, preferimos o autor desconhecido ao conhecido, o obscuro ao que sofreu publicidade, e, de autores conhecidos, os novos aos velhos, aspectos de sua obra. Tomáramos nós poder, em todos os números, aliar á novidade da obra a revelação do artista!
– A separação «tranchée», entre a parte literaria e a artistica, obedece a algum criterio especial?
– Obedece a um criterio especial, que é o geral. As revistas para se ler, ou não têm gravuras, ou só as têm que ilustrem o texto. As revistas para se ver, têm as gravuras alheias ao texto e cortando-o, porque não são para se ler. As revistas para se compreender separam rigorosamente os seus elementos, e, portanto, as estampas do texto impresso. Assim se faz na «Athena»: é que ela é uma revista para se compreender, isto é, é a revista que é, e não a revista que não é. Para compreender, dividem se os assuntos, como para vencer se divide o inimigo.
– É então uma revista com orientação?
– Mais: é uma revista com orientadores. E, se quizer isto dito de outro modo, ponhamo-lo do mesmo modo: é uma revista não só com diretores, mas tambem com direcção.
– Bem. E o que julga que será o futuro da «Athena»?
– Não fui consultado para a criação do sistema do universo: não é natural que o seja para aquela pequena parte do futuro dele, que é o futuro desta revista. Ruy Vaz e eu faremos porque ela «mereça»; o resto é com Destino.
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A revista “Athena" e o que nos afirmou Fernando Pessoa"
Lançar uma revista de arte num meio acanhado como o nosso, onde quase todas as tentativas literárias e artísticas falham por falta de auxílio do público, é, já por si, digno de admiração, pelo que tem de arrojado.
Fernando Pessoa, artista original e interessante que rapidamente se distinguiu dentre a multidão de escritores da sua geração, acaba de lançar, com Ruy Vaz, outro artista de valor, uma nova revista de arte. Quisemos ouvi-lo sobre a sua interessante iniciativa:
― A que veio a «Athena»?
― Dar ao público português, tanto quanto possível, uma revista puramente de arte, isto é, nem de ocasião e início como o «Orfeu», nem quase de pura decoração, como a admirável «Contemporânea».
― Mas em que é que consiste uma revista «puramente de arte»?
― Ha três públicos ― um que vê, outro que lê, outro que não há. O primeiro é composto da maioria, o segundo da minoria, o terceiro de indivíduos. O primeiro quer ver, o segundo quer conhecer, o terceiro quer compreender. Uma revista «puramente de arte» é feita para o público que «compreende» a arte, e, ao mesmo tempo, para que os públicos, que a não compreendem, compreendam, um que ela tem que compreender, o outro que ela pode ser compreendida, visto que há quem a compreenda.
― E isso como se faz?
― Fazendo-se. Exclui-se, primeiro, o critério de homogeneidade (escola ou corrente); assim se acentua e se ensina que a arte é essencialmente multiforme, o que é uma das primeiras coisas que tem que aprender muita gente que já o sabe. Nas estampes da primeira «Athena» verá reproduções de obras de um clássico, de um romântico, de um contemporâneo. Na parte literária igual diversidade se busca, como se vê e verá. Depois...
― Depois?
― Exclui-se o critério de fragmentação (amostras e retalhos): não se publicam nem trechos esteticamente compreensíveis só como fragmentários ― isto é, incompreensíveis ― nem poucas produções de um autor para cuja compreensão sejam precisas muitas. É em obediência a este critério que a primeira «Athena» insere nada menos que onze reproduções de quadros do Visconde de Menezes, e nada menos que o primeiro livro, inteiro, das «Odes», de Ricardo Reis. Por fim...
― Por fim?
― Exclui-se o critério de não dar novidade nenhuma. Em igualdade estética, preferimos o autor desconhecido ao conhecido, o obscuro ao que sofreu publicidade, e, de autores conhecidos, os novos aos velhos, aspetos de sua obra. Tomáramos nós poder, em todos os números, aliar à novidade da obra a revelação do artista!
― A separação «tranchée», entre a parte literária e a artística, obedece a algum critério especial?
― Obedece a um critério especial, que é o geral. As revistas para se ler, ou não têm gravuras, ou só as têm que ilustrem o texto. As revistas para se ver, têm as gravuras alheias ao texto e cortando-o, porque não são para se ler. As revistas para se compreender separam rigorosamente os seus elementos, e, portanto, as estampas do texto impresso. Assim se faz na «Athena»: é que ela é uma revista para se compreender, isto é, é a revista que é, e não a revista que não é. Para compreender, dividem-se os assuntos, como para vencer se divide o inimigo.
― É então uma revista com orientação?
― Mais: é uma revista com orientadores. E, se quiser isto dito de outro modo, ponhamo-lo do mesmo modo: é uma revista não só com diretores, mas tambem com direção.
― Bem. E o que julga que será o futuro da «Athena»?
― Não fui consultado para a criação do sistema do universo: não é natural que o seja para aquela pequena parte do futuro dele, que é o futuro desta revista. Ruy Vaz e eu faremos porque ela «mereça»; o resto é com Destino.
A revista “ATHENA” e o que nos afirmou Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
Diário de Lisboa , 3 de novembro de 1924, p. 2.