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Tres publicações, afóra a nossa, nasceram ha pouco para a pretensão de serem lidas.
Uma é a «revista de arte» Teatralia , outra a de «literatura e arte» Gente Moça , e ha tambem um periodico O Talassa , semanario, ao que parece, e humoristico, consoante, por analogia de aspecto com outras publicações do parece-que-mesmo genero, feitas aí por 1880, sem grande dificuldade se conclue. A primeira e a terceira destas consequencias de Gutemberg adornam Lisboa; pela segunda é responsavel o Porto.
Unjamo-las do nosso acolhimento.
A primeira é especialmente adoravel.
É proveniente da iniciativa dos alunos da Escola da Arte de Representar. E é ante-simpatica ao mero ainda-não leitor dela porque nos enreda logo com uma vantagem ― que os alunos da dita escola emquanto escrevem não representam.
O conhecimento da revista é, porém, um pouco ensombrador desta vantagem antevista. É talvez, e apezar de tudo, melhor que os alunos representem.
Não queremos dizer com isto que a Teatralia se imponha como má. Mas tem claras pretensões a se-lo. Não ha duvida que temos de nos apear para a tolerancia. Revista de pre-actores, não lhe podemos querer encontrar instinto literario ou intuição artistica. Mas ― que diabo! ― eles não são actores ainda. Sempre se podìa esperar que nos dessem alguma cousa de circumlegivel.
Com tolerancia pre-estabelecida, porém, sempre se ha de conseguir elogiar. Vamos que um ou outro dos colaboradores mostra esperanças de envelhecer para inteligente.
O Aluno F. Adolfo Coelho, por exemplo, oferece-nos um estudo que revela um grave conhecimento pelo menos de algumas passagens dos tragicos gregos e de uns córos da Castro de Antonio Ferreira. Se é ainda muito novo, talvez venha a conseguir, com o deixar de ser muito novo, alguma cousa em materia de exposição erudita. Por emquanto vê-se bem a sua inexperiencia nisto de transmitir erudição. Porque não é assim que se ensina. É preciso mais leveza, mais cingir de perto a alma do assunto, mais poder vibrante de interessar e comunicar. E o modo-de-expor do sr. F. A. Coelho dá-nos a impressão de nos estarem esfregando nas costas um remedio para uso interno... Mas esta nossa critica pouco quer morder. Quer apenas dizer que o sr. F. A. Coelho não tem geito para professor. Para outras cousas póde ser que o tenha.
O aluno Manuel de Sousa Pinto (cujo nome nos não sõa desconhecido) distribue uns raciocinios um pouco palidos mas interessantes por paginas que sofrem duma lamentavel incompatibilidade pessoal entre o gravador e o impressor.
Ha um artigo sobre «marcação», do aluno Antonio Pinheiro. Incompetentes para saber se ele é bom ou mau, limitamo-nos, para dar idéa do seu interesse, a transcrever lhe o paragrafo final:
As diferentes portas ou aposentos são designados por letras, e algumas vezes, E ― quer dizer esquerda, D ― direita, F ― fundo, B ― baixa e A ― alta.
Os alunos Julio Dantas, Luiz Barreto e Bento Mantua tambem navegam nestas aguas. Os dois ultimos teem transbordo para o numero seguinte.
Uns cachos de uvas na capa da revista parecem-nos insuficientemente dionisiacos por desvergonhadamente da fundição da Imprensa Nacional.
* * *
A revista do Porto Gente Moça não tem por onde se lhe queira pegar. No emtanto não é desagradavel folheal-a. O caso é não a lêr. Motiva a ausencia de desagrado um artista que nela colabora, inevitavelmente anonimo. É o chefe da Tipografia do Porto Medico.
Mas como literatura aquilo é tão nada que o melhor seria dizer sobre ele, calando-nos, tanto quanto ele vale. Para dizer alguma cousa porém note-se que nesta revista se fazem córtes á materia a publicar, como se fosse num jornal. Cortaram toda a inspiração ao poeta Lebre e Lima para ele poder caber ali.
* * *
O semanario O Talassa faz lembrar um pouco Bordalo Pinheiro, pela modernidade.
É uma publicação perfeitamente inoffensiva politicamente. Recomendamol-a sem hesitação aos seus atacados e caricaturados.
A cousa que tem de mais flagrantemente interessante é a blague da sua confecção. É a de os desenhos serem feitos pelo sr. Crispim e a prosa pelo sr. Jorge Colaço, como sem custo se deduz dum exame perspicaz deles e dela.
Tem duas outras novidades interessantes, como seja a de descobrir para assunto de piada que o sr. Brito Camacho é porco, e a de iniciar, com respeito ao sr. Antonio José d’Almeida, um novo genero de caricatura, que consiste em nos fazer crêr que aquele politico não é parecido consigo proprio.
* * *
Desejamos ás três publicações as prosperidades que merecem.
Fernando Pessoa.
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Três publicações, afora a nossa, nasceram há pouco para a pretensão de serem lidas.
Uma é a «revista de arte» Teatrália, outra a de «literatura e arte» Gente Moça, e há também um periódico O Talassa, semanário, ao que parece, e humorístico, consoante, por analogia de aspeto com outras publicações do parece-que-mesmo género, feitas aí por 1880, sem grande dificuldade se conclui. A primeira e a terceira destas consequências de Gutenberg adornam Lisboa; pela segunda é responsável o Porto.
Unjamo-las do nosso acolhimento.
A primeira é especialmente adorável.
É proveniente da iniciativa dos alunos da Escola da Arte de Representar. E é antessimpática ao mero ainda-não leitor dela porque nos enreda logo com uma vantagem — que os alunos da dita escola enquanto escrevem não representam.
O conhecimento da revista é, porém, um pouco ensombrador desta vantagem antevista. É talvez, e apesar de tudo, melhor que os alunos representem.
Não queremos dizer com isto que a Teatrália se imponha como má. Mas tem claras pretensões a sê-lo. Não há dúvida que temos de nos apear para a tolerância. Revista de pré-atores, não lhe podemos querer encontrar instinto literário ou intuição artística. Mas — que diabo! — eles não são atores ainda. Sempre se podia esperar que nos dessem alguma coisa de circunlegível.
Com tolerância pré-estabelecida, porém, sempre se há de conseguir elogiar. Vamos que um ou outro dos colaboradores mostra esperanças de envelhecer para inteligente.
O Aluno F. Adolfo Coelho, por exemplo, oferece-nos um estudo que revela um grave conhecimento pelo menos de algumas passagens dos trágicos gregos e de uns coros da Castro de António Ferreira. Se é ainda muito novo, talvez venha a conseguir, com o deixar de ser muito novo, alguma coisa em matéria de exposição erudita. Por enquanto vê-se bem a sua inexperiência nisto de transmitir erudição. Porque não é assim que se ensina. É preciso mais leveza, mais cingir de perto a alma do assunto, mais poder vibrante de interessar e comunicar. E o modo-de-expor do sr. F. A. Coelho dá-nos a impressão de nos estarem esfregando nas costas um remédio para uso interno... Mas esta nossa crítica pouco quer morder. Quer apenas dizer que o sr. F. A. Coelho não tem jeito para professor. Para outras coisas pode ser que o tenha.
O aluno Manuel de Sousa Pinto (cujo nome nos não soa desconhecido) distribui uns raciocínios um pouco pálidos mas interessantes por páginas que sofrem duma lamentável incompatibilidade pessoal entre o gravador e o impressor.
Há um artigo sobre «marcação», do aluno António Pinheiro. Incompetentes para saber se ele é bom ou mau, limitamo-nos, para dar ideia do seu interesse, a transcrever-lhe o parágrafo final:
As diferentes portas ou aposentos são designados por letras, e algumas vezes, E — quer dizer esquerda, D — direita, F — fundo, B — baixa e A — alta.
Os alunos Júlio Dantas, Luís Barreto e Bento Mântua também navegam nestas águas. Os dois últimos têm transbordo para o número seguinte.
Uns cachos de uvas na capa da revista parecem-nos insuficientemente dionisíacos por desvergonhadamente da fundição da Imprensa Nacional.
* * *
A revista do Porto Gente Moça não tem por onde se lhe queira pegar. No entanto não é desagradável folheá-la. O caso é não a ler. Motiva a ausência de desagrado um artista que nela colabora, inevitavelmente anónimo. É o chefe da Tipografia do Porto Médico.
Mas como literatura aquilo é tão nada que o melhor seria dizer sobre ele, calando-nos, tanto quanto ele vale. Para dizer alguma coisa porém note-se que nesta revista se fazem cortes à matéria a publicar, como se fosse num jornal. Cortaram toda a inspiração ao poeta Lebre e Lima para ele poder caber ali.
* * *
O semanário O Talassa faz lembrar um pouco Bordalo Pinheiro, pela modernidade.
É uma publicação perfeitamente inofensiva politicamente. Recomendamo-la sem hesitação aos seus atacados e caricaturados.
A coisa que tem de mais flagrantemente interessante é a blague da sua confeção. É a de os desenhos serem feitos pelo sr. Crispim e a prosa pelo sr. Jorge Colaço, como sem custo se deduz dum exame perspicaz deles e dela.
Tem duas outras novidades interessantes, como seja a de descobrir para assunto de piada que o sr. Brito Camacho é porco, e a de iniciar, com respeito ao sr. António José d’Almeida, um novo género de caricatura, que consiste em nos fazer crer que aquele político não é parecido consigo próprio.
* * *
Desejamos às três publicações as prosperidades que merecem.
Fernando Pessoa.
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Fernando Pessoa
Teatro - Revista de Critica 3, 25 de março de 1913, p. 2.