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Lisbon Revisited (1923)

Álvaro de Campos

Contemporânea 8, fevereiro de 1923, p. 92.

  • LISBON REVISITED (1923)

    Não: não quero nada.
    Já disse que não quero nada.
    Não me venham com conclusões!
    A unica conclusão é morrer.
    Não me tragam estheticas!
    Não me fallem em moral!
    Tirem-me d’aqui a metaphysica!
    Não me apregoem systemas completos, não me enfileirem conquistas
    Das sciencias (das sciencias, Deus meu, das sciencias!) —
    Das sciencias, das artes, da civilização moderna!
    Que mal fiz eu aos deuses todos?
    Se teem a verdade, guardem-a!
    Sou um technico, mas tenho technica só dentro da technica.
    Fóra d’isso sou doido, com todo o direito a sel-o.
    Com todo o direito a sel-o, ouviram?
    Não me macem, por amor de Deus!
    Queriam-me casado, futil, quotidiano e tributavel?
    Queriam-me o contrario d’isto, o contrario de qualquer cousa?
    Se eu fôsse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
    Assim, como sou, tenham paciencia!
    Vão para o diabo sem mim,
    Ou deixem-me ir sòsinho para o diabo!
    Para que havermos de ir juntos?
    Não me peguem no braço!
    Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sòsinho.
    Já disse que sou só sósinho!
    Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
    Ó céu azul — o mesmo da minha infancia —,
    Eterna verdade vazia e perfeita!
    Ó macio Tejo ancestral e mudo,
    Pequena verdade onde o ceu se reflecte!
    Ó magoa revisitada, Lisboa de outr’ora de hoje!
    Nada me daes, nada me tiraes, nada sois que eu me sinta.
    Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo…
    E emquanto tarda o Abysmo e o Silencio quero estar sòsinho!

    ALVARO DE CAMPOS

  • LISBON REVISITED (1923)

    Não: não quero nada.
    Já disse que não quero nada.
    Não me venham com conclusões!
    A unica conclusão é morrer.
    Não me tragam estéticas!
    Não me falem em moral!
    Tirem-me daqui a metafísica!
    Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
    Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) ―
    Das ciências, das artes, da civilização moderna!
    Que mal fiz eu aos deuses todos?
    Se têm a verdade, guardem-na!
    Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
    Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
    Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
    Não me macem, por amor de Deus!
    Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
    Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
    Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
    Assim, como sou, tenham paciência!
    Vão para o diabo sem mim,
    Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
    Para que haveremos de ir juntos?
    Não me peguem no braço!
    Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
    Já disse que sou só sozinho!
    Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
    Ó céu azul ― o mesmo da minha infância ―,
    Eterna verdade vazia e perfeita!
    Ó macio Tejo ancestral e mudo,
    Pequena verdade onde o céu se reflete!
    Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
    Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
    Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo…
    E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

    ÁLVARO DE CAMPOS

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